Filosofia
Além de escritor e dramaturgo, foi
também filósofo de idéias originais, baseadas no materialismo do século das
luzes e dos enciclopedistas.
Lido enquanto teoria filosófica, "o
romance de Sade oferece um sistema de pensamento que desafia a concepção de
mundo proposta pelos dois principais campos filosóficos no contexto da França
pré-republicana: o religioso e o racionalista". Sade era adepto do
ateísmo e era
caracterizado por fazer apologia ao crime (já que enfrentar a religião na época
era um crime) e a afrontas à religião dominante, sendo, por isso, um dos
principais autores libertinos - na concepção
moderna do termo. Em suas obras, Sade, como livre
pensador, usava-se do grotesco para tecer suas
críticas morais à sociedade urbana. Evidenciava, ao contrário de várias obras
acerca da moralidade - como por exemplo, o "Princípios da
Moral e Legislação" de Jeremy
Bentham-
uma moralidade baseada em princípios contrários ao que os "bons
costumes" da época aceitavam; moralidade essa que mostrava homens
que sentiam prazer na dor dos demais e outras cenas, por vezes bizarras, que não estavam distantes da
realidade. Em seu romance “120
Dias de Sodoma”, por exemplo, nobres devassos abusam de crianças
raptadas encerrados num castelo de luxo, num clima de crescente violência, com coprofagia, mutilações e
assassinatos - verdadeiro mergulho nos infernos.
Obras de Sade
Duas personagens criadas por Sade foram suas idéias fixas durante
décadas: Justine (que se
materializou em várias versões de romance, ocupando muitos volumes), a ingênua defensora do bem, que sempre acaba sendo envolvida em crimes
e depravações, terminando seus dias, fulminada por um raio que a rompe da
boca ao ânus quando ia à missa, e Juliette, sua irmã, que encarna o triunfo do mal, fazendo uma sucessão de coisas abjetas,
como matar uma de suas melhores amigas
lançando-a na cratera de um vulcão ou obrigar o próprio papa a fazer um
discurso em defesa do crime para poder tê-la em sua cama. As orgias com o papa Pio VI em plena Igreja de São Pedro, no Vaticano, fazem parte da trama sacrílega e ultrajante do romance
“Juliette”, com a fala do pontífice transformada em agressivo panfleto político: “A Dissertação do Papa sobre o Crime”. Sade tinha o costume de inserir panfletos político-filosóficos em
suas obras. O panfleto “Franceses, mais um Esforço se Quiserdes Ser
Republicanos”, que prega a
total ruptura com o cristianismo, foi por ele
encampado ao romance “A Filosofia na
Alcova” (Preceptores
Morais), no qual um casal de irmãos e um amigo libertino "educam"
a jovem Euginè para uma vida de libertinagem, mostrando-lhe aversão aos
dogmas religiosos e costumes da
época.
Precursor
da Revolução Sexual
Além de patrono do surrealismo, Sade
é considerado um dos pioneiros da revolução
sexual, com suas idéias libertárias
e permissivas, e um dos primeiros a
ter uma visão moderna da homossexualidade (muito freqüente na França e no resto da Europa), pois defende a existência de diferentes orientações sexuais para a
humanidade. Em “Os
120 Dias de Sodoma”, chega a satirizar o predomínio do pensamento heterossexual e a milenar
condenação à morte de comportamentos considerados ‘desviantes’: no romance,
ele inverte a situação e dessa vez humilha a heterossexualidade, que é punida
com a morte pelas regras libertinas
do castelo em que se realizam as excrementosas,
sangrentas e incestuosas orgias, regadas a homossexualidade
e sodomia, além de muito álcool, é
claro. A obra de Sade,
constantemente proibida, serviu de base para a “Psychopathia sexualis” de Kraft-Ebing, que
classificou às parafilias e incluiu
nelas o sadismo, conceito que também
seria muito importante para Freud e seus
seguidores, como Melanie Klein, em cuja obra o termo sadismo costuma ser exaustivamente
repetido. Hoje considerado um clássico
maldito, pois passou quase trinta anos preso mais por suas idéias e por seu
comportamento sexual do que por seus crimes. Sade só começou a ser valorizado pelos surrealistas, no começo do século
20.
Surrealismo e Psicanálise
Tanto o surrealismo como a psicanálise encamparam a
visão da crueldade egoísta que a
obra de Sade expõe despudoradamente.
Um exemplo de influência do Marquês de
Sade na arte do século 20 é o
cineasta espanhol Luis Buñuel, que em vários filmes faz
referências explícitas a Sade: em “A
Idade do Ouro”, por
exemplo, retrata a saída de Cristo e
dos libertinos do castelo das orgias
de “Os 120 dias de Sodoma”. O sadismo também está explícito nas
imagens mais surrealistas produzidas por Buñuel,
como a navalha cegando o olho da mulher em “O Cão Andaluz”. Também há
fortes referências ‘sadianas’ em “A Bela da Tarde” e em “Via Láctea”, no qual
aparece uma cena em que Sade
converte uma indefesa menina ao ateísmo.
A influência de Sade pode ser notada
também em autores como o dramaturgo francês Jean
Genet,
homossexual, ladrão e presidiário, que retoma muitos dos temas do marquês, também desenvolvidos em
ambientes carcerários franceses.
A Questão da Homossexualidade
A questão da suposta homossexualidade de
Sade ("Terá sido Sade um pederasta?")
foi formulada pela escritora francesa Simone
de Beauvoir
(esposa de Jean Paul Sartre) no
clássico ensaio 'É preciso Queimar Sade? - Privilégios'. A autora conclui pela heterossexualidade de Sade, que sempre amou mulheres
tolerantes a suas aventuras, embora tivesse um comportamento sexual atípico,
defendendo o coito anal e chegando a pagar criados para sodomizá-lo
publicamente em suas orgias, das quais a primeira mulher, Renné de Sade, teria participado. Atualmente, estudiosos da cultura
e da literatura, como o sociólogo Ottaviano
de Fiore, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), compartilham
a opinião de Simone de Beauvoir,
creditando o comportamento e a imaginação literária do autor de “120
Dias de Sodoma”
a neuroses relacionadas a parafilias, como o gosto pelo lixo e pela
sujeira, que na “ficção sadeana” desembocam na apologia do crime e na erotização
da fealdade e das mais atrozes torpezas. "A crítica que faço à pergunta de
Simone de Beauvoir é que, posta em sua época, ela remete à visão de seres
humanos descontínuos, isto é, não vê, como atualmente se vê, um continuum
humano, mas vê um mundo repartido em que gays e outras minorias seriam
descontínuos em relação a um padrão de ser humano dito ‘normal’, isto é, o gay
seria o outro, que não partilharia da mesma condição humana, ponto de vista
hoje considerado preconceituoso e racista, pois o padrão de ser humano mudou",
afirmou Ottaviano de Fiore.
Velhice e Legado
Na velhice, já separado de Renné, sua primeira mulher, mas, como
sempre, preso por causa de suas idéias e de seu comportamento libertino, foi amparado pela atriz Marie-Quesnet, que se mudou com ele
para o Hospício
de Charenton.
Nessa época, sob o olhar tolerante de Marie-Quesnet,
enamorou-se da filha de uma carcereira que tinha 14 anos quando o conheceu. Todos esses fatos estão rigorosamente
documentados por Gilbert Lely, o mais importante biógrafo de Sade, compilador de suas cartas e autor do
clássico “Vida do Marquês de Sade”.
Sade morreu aos 74 anos, amado por duas mulheres, com
quem planejava produzir peças teatrais
pornográficas quando um dia saísse do hospício.
Obras do Autor
“Justine”
“Juliette de Sade”
“Zoloe e suas Amantes”
“O Estratagema do Amor”
“Os Crimes do Amor”
“A Filosofia na Alcova”
“Contos Libertinos”
“Diálogo entre um
Padre e um Moribundo”
“Os 120 dias de Sodoma”
“A Crueldade Fraternal”
Cinema
Muitos filmes foram feitos
sobre o autor e sobre a teoria de suas obras e muito se fará ainda, tal
importância que ele tem.
“Marat/Sade”, de Peter
Weiss (1966), peça que deu
origem a filme.
“Justine e Juliette” (1968)
“Filosofia na Alcova” (1969)
“De Sade” (1969)
“Saló ou 120 Dias
de Sodoma”
do diretor Pier Paolo Pasolini (1975).
“Paixão cruel” (1977)
“Marquis”
(1989)
“Princesa negra” (1996)
“Sade” (1999)
“Contos Proibidos do Marquês de
Sade”,
conhecida também como “Quills” do diretor Philip
Kaufman
(2000).
’Lunacy” (2005) do diretor Jan Švankmajer.
Cronologia
1740 - Nasce em Paris em 2
de junho.
Vive dos quatro aos dez anos de idade no Comtat-Venaissim.
1750 - Estuda no Collège Louis-le-Grand e também com
preceptor particular.
1754 - É admitido na
Escola da Cavalaria Ligeira.
1755 - Torna-se
subtenente do regimento de infantaria do rei.
1757 - É promovido a
oficial. Tem início a Guerra
dos Sete Anos.
1759 - Torna-se
capitão do regimento de cavalaria de Bourgogne.
1763 - É
desmobilizado e casa-se com Reneé-Pélagie
de Montreuil.
Passa quinze dias na prisão de Vincennes
por "extrema libertinagem" (primeira
referência oficial aos comportamentos do Marquês).
1764 - É recebido
pelo parlamento de Bourgogne no
cargo de lugar-tenente geral das províncias de Bresse, Bugey, Valromey e Gex.
1765/1766 - Mantém
relacionamentos públicos com atrizes e dançarinas em bebedeiras e orgias, além
de outros comportamentos ‘anti-naturais’.
1767 - Falece o
conde de Sade, seu pai, e nasce o
seu primeiro filho, Louis Marie de Sade.
1768 - Primeiro
grande escândalo: a mendiga Rose Keller
processa o Marquês por maus tratos,
em Arcueil. Sade fica preso em Saumur por quinze
dias, e depois em Pierre-Encise,
perto de Lyon, por sete meses. Festas e bailes
sucedem-se em seu castelo de La Coste,
na Provence, com um repleto manancial de
relatos populares sobre as orgias anti-naturais e muito uso de bebidas
alcoólicas, além de outras drogas exóticas trazidas do oriente.
1769 - Nasce seu
segundo filho, Donatien Claude Armand de
Sade.
1771 - Nasce sua
filha, Madeleine Laure de Sade.
1772 - Segundo
grande escândalo: em Marselha, quatro prostitutas processam Sade e seu criado Latour por flagelações, sodomia e ingestão
forçada de uma grande quantidade de cantárida
(pó de asas de besouros africanos, capaz de provocar estado de excitação sexual
no homem e na mulher, afrodisíaco). É condenado à
morte por sodomia. Foge para a Itália. Na cidade de Aix-en Provence, a 12 de setembro, é executado junto com Latour ‘em efígie’ (isto é, bonecos simbolizando Sade e seu criado foram publicamente executados, na ausência dos
verdadeiros réus). Detido em Chambéry, é encarcerado
em Miolans, na Savoie.
1773 - Foge em Miolans. Sua sogra, Madame de Montreul, obtém licença do
rei para prendê-lo e confiscar seus documentos, mas sem resultado.
1774 - Isola-se em
seu castelo em La Coste.
1775 - Organiza
diversas orgias em seu castelo.
Risco de novo escândalo. Foge novamente para a Itália.
1776 - Volta à França.
1777 - Falece sua
mãe, Madame de Sade. É capturado em Paris e encarcerado
em Vincennes.
1782 - Finaliza o “Dialogue entre un prêtte et un moribond”.
1784 - É transferido
para a Bastilha.
1785 - Conclui “Les Cent vingt journées de Sodome”.
1787 - Redige contos
e pequenas histórias.
1788 - Escreve “Eugénie de Franval” e “Justine, Les infortunes de la ventu”.
Organiza um catálago de suas obras.
1789 - Provavelmente
neste ano, conclui “Aline Et Valcour”.
É transferido precipitadamente para Charenton,
na noite de 3 de julho para 4
de julho.
Com a tomada da Bastilha, são pilhados
seus documentos e bens pessoais (como membro da realeza, tinha direito à todos
os seus pertences: livros, móveis, empregado – geralmente um preso de
confiança).
1790 - É libertado
de Charenton. Inicia sua ligação com
Marie-Contance
Quesnet,
que não mais o abandonará.
1791 - Publica
clandestinamente “Justine ou Les
malheurs de la vertu”. Escreve seu primeiro texto político. É
também o ano da primeira montagem de “Oxtiern”.
1792 – Se castelo em
La Coste é pilhado. Le Suborneur é levado à cena, sem
sucesso.
1793 - Redige novos
textos políticos. É mais uma vez acusado e detido.
1794 - Prisioneiro
em Carmes, Saint-Lazane, na casa de saúde de Picpus. É condenado à pena de morte e posteriormente liberado.
1795 - Publica
clandestinamente “La philosophie dans
le boudoir” e,
oficialmente, “Aline et Valcour”.
1796 - "Oxtiern"
é levado novamente à cena, agora em Versalhes, onde seu autor
vive de forma muito modesta. A ele cabe o papel de Fabrice.
1800 - Publica
oficialmente “Oxtiern” e “Crimes de l'amour”, e, clandestinamente, “La nouvelle Justine”.
1801 - É detido na editora Massé, que publica suas obras, onde também ocorre a apreensão da
edição ilustrada em dez volumes de “La
nouvelle Justine” e
também de “Juliette”. Permanece preso em Saint-Pálagie e depois em Bicêtre. Seu nome já é
conhecido por todo mundo culto da época.
1803 - A família
obtém suas transferência para Charenton,
onde ele passa a organizar espetáculos com os "loucos", que se
tornam atração para visitas da aristocracia parisiense.
1807 - Escreve “Journées de Florbelle”.
Os manuscritos desse livro, apreendidos em seu quarto, seriam queimados em
praça pública por seu próprio filho, depois de sua morte.
1813 - Publica
oficialmente “La Marquise de Gange”.
1814 - Morre em 2
de dezembro,
em Charenton.
Referências
® Giovana Sanchez. “A orgia de Marquês de Sade” (em português). Editora Abril. Página
visitada em 10 de julho
de 2010.
® Maria Alzenir Alves Rabelo Mendes. “Formação discursiva e verdade em contos
proibidos de Marquês de Sade” (em português). UFAC. Página visitada em 10 de julho de 2010.
® Serravalle de Sá, Daniel (Dezembro, 2008). “O Marquês de Sade e o Romance Filosófico
do Século XVIII” (artigo) (em português). Revista Eutomia, ano 1, número 2,
dezembro. Pernambuco: EDUFPE, 2008, pp. 362-377. Página visitada em 2009-02-09.
Ligações Externas Sugeridas
Postado ao som de Caetano Veloso, "It's alright , ma (i'm only bleeding)"
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